Rede ATER NE de Agroecologia analisa sua trajetória de 20 anos, planeja o futuro e dialoga com o governo Federal

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“A ideia de ter redes de assistência técnica e extensão rural nas regiões do Brasil não vingou para eles (governo federal), mas vingou para nós”, anuncia Carlos Eduardo Leite (Caê), da ONG Sasop.

“A gente influenciou bastante a primeira política de ATER (2004), que até poderia não existir se não tivéssemos essa rede”, reconhece Paulo Pedro de Carvalho, da ONG Caatinga.

Com estas e muitas outras falas, que remetiam ao início da caminhada dos 20 anos da Rede ATER Nordeste de Agroecologia, cerca de 40 representantes das 12 instituições que compõem a articulação reconstruíram e contemplaram a longa linha do tempo.

Foi o primeiro momento do encontro que durou dois dias (16 e 17 de maio), no Recife. De tão intenso, pareceu ter acontecido num tempo bem maior.

Os relatos, que contavam sobre as diversas fases da Rede ATER, anunciavam a essência que mantém vivo e pulsante este organismo.

Bebendo da dinâmica de outras redes de organizações da sociedade civil, como a Rede PTA e Rede Plantas do Nordeste, a Rede ATER NE se formou com um desejo de desenvolver uma nova abordagem para a assessoria técnica rural oferecida no Brasil.

Essas inovações seriam construídas a partir das experiências de acompanhamento das famílias agricultoras pelas organizações integrantes da articulação. Nesta época, as organizações já construíam o conhecimento com a participação ativa das famílias e já tinham a prática de sistematizar as experiências.“Nossa experiência coletiva sempre foi a base de nosso próprio aprendizado”, afirma Luciano Silveira, da AS-PTA.

Quando as pessoas do encontro lembravam dos fatos acontecidos entre 2004 a 2010, Márcia Muniz, do Sasop, fez a seguinte fala: “A nossa formação teve um exercício de campo. Fizemos travessia e mapa da propriedade, que são ferramentas hoje organizadas a partir do Lume.”

O Lume é o método, desenvolvido pela AS-PTA, que a Rede ATER estuda e aperfeiçoa para ser usado no diagnóstico do agroecossistema, considerado o coração da assessoria técnica oferecida às famílias.

Ainda nos anos 2000, foi lembrada a relação da Rede ATER com o governo federal: de diálogo, enfrentamento e construção de políticas públicas.

Nesta época, as chamadas de ATER atendiam ao formato das cadeias produtivas, o que direcionava o olhar do agente de ATER só para os cultivos de renda e com pouca diversidade. “Fizemos a crítica afirmando que este formato não proporcionava a construção do conhecimento agroecológico”, afirma Aniérica Almeida, do Centro Sabiá.

“Foi um momento bem rico de adensamento de aprendizagem e de reconhecimento do Estado da participação da sociedade civil organizada”, salienta Luciano Silveira, da AS-PTA.

Ao passo que a linha do tempo avançava, os depoimentos apontavam importantes contribuições da Rede ATER NE em questões cruciais para as políticas públicas, como o estabelecimento da participação mínima de 50% mulheres e 30% jovens nos projetos de ATER. “Na chamada pública da ATER Agroecologia, construímos critérios que até hoje reverberam”, reconhece Aniérica. Isso reforça a importância da participação social na construção e controle social das políticas públicas para a agricultura familiar.

Neste momento político do Brasil, as organizações da sociedade civil, além de construir junto ao governo as políticas e programas, também passaram a executá-las, possibilitando uma importante mudança da cultura política brasileira.

Nesse cenário, a Rede ATER NE era um dos sujeitos coletivos bem atuantes, inclusive, por fazer parte de espaços de participação social como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). Espaços que a articulação segue participando.

Na época, houve a formulação e aprovação do Plano Nacional de Produção Orgânica e Agroecologia (Planapo). Era um momento de efervescência da incidência política das ONGs no campo da agroecologia, com redes estaduais começando a se formar.

Sempre na construção coletiva e interagindo com outras redes regionais e nacionais, como a Articulação Semiárido (ASA) e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a Rede ATER vai tendo ideia da sua contribuição para a construção do conhecimento agroecológico.

Posteriormente, com o golpe do governo Dilma Rousseff, em 2016, a extinção do MDA e conselhos e o desmonte das políticas públicas voltadas para a Convivência com o Semiárido, ATER e Agroecologia, houve um esvaziamento de politicas publicas para o campo e desmobilização de articulações por falta de projetos Mas a Rede não parou e continuou articulando parcerias com instituições nacionais e internacionais.

Até que um pouco antes da pandemia, a Rede ATER NE firmou uma parceria com o Projeto Aksaam/Universidade Federal de Viçosa, que possibilitou realizar estudos, formações e sistematizações. Em seguida, abre-se uma nova fase de financiamento das ações com recursos das agências da cooperação internacional: Porticus e, atualmente, com o Pão para o Mundo e o Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha.

No campo da incidência política federal, com o governo Lula 3, as “portas” em Brasília voltaram a se abrir. “Agroecologia é um tema muito presente nos ministérios. O desafio é fazer com que as políticas cheguem nas famílias agricultoras com qualidade. O desafio, além da retomada das políticas e programas federais, é construir novas iniciativas e, ao mesmo tempo, ter orçamento compatível com a demanda e tamanho do país”, pontua Clérison Belém, do Irpaa.

“Somos como salva-guardas da construção política e metodológica da agroecologia. Mas a compreensão que temos está muito longe de onde queremos chegar. Somos aportes fundamentais para governos que querem ser populares e a atual conjuntura política nos coloca num desafio muito grande”, sustenta Caê.

Diálogo com o governo federal – Estas falas já esquentaram os ânimos para o painel com a participação de representantes do governo federal, Loroane Santana, diretora Executiva da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), e Regilane Fernandes, coordenadora geral de ATER do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

No painel, nas falas dos representantes das redes – Neila Santos, do Cetra; Luciano, da AS-PTA e Jhony Luchmann, da Rede EcoVida, uma articulação de organizações da sociedade civil assim com a Rede ATER NE – destaques para um modelo de ATER que potencialize as redes territoriais de agroecologia e para pontos importantes da política de ATER como a oferta contínua para as famílias agricultoras, entre outros.

No discurso das representantes do governo, é possível frisar o reconhecimento de desafios que precisam ser superados para a ampliação da qualidade da ATER. A exemplo da formação dos agentes e do aperfeiçoamento dos critérios para garantir a contratação de entidades que atuam no território que a ATER vai ser oferecida.

Na plenária, Paulo Petersen, da AS-PTA, reafirmou o desafio apontado pelas representantes do governo sobre a formação dos agentes de ATER. “Nosso sonho é que as chamadas levassem em consideração os agricultores e agricultoras experimentadores/as e não só os /as técnicos/as que têm um papel totalmente diferente do que o atual modelo de ATER espera da gente: que é ser portador/a de soluções. A experiência da ASA (Articulação Semiárido) com os/as agricultores/as experimentadores/as não pode ser perdida de vista.”

Na sua fala, Paulo também questiona: “E por quê não abrir chamadas para redes (executarem a ATER), além de chamadas para organizações?”, ecoando um dos pleitos bastante repetidos neste momento de diálogo com o governo federal.

Também foram feitas sugestões ao programa de formação do MDA para os agentes de ATER. “Sentimos falta da presença e contribuições da sociedade civil organizada. É preciso considerar as redes, as organizações sociais e também as escolas família-agrícola nos processos formativos”, sugere Clérison.

“Esse diálogo entre a sociedade civil e governo federal aproxima as relações, apresenta demandas,aponta fragilidades, mas também apresenta sugestões e abre possibilidades de articulação conjunta para elaboração e execução das ações do estado nos territórios”, acrescenta ele.

Projetos e comunicação – O Encontro também propiciou a reflexão sobre os desafios enfrentados e a proposição de eixos estratégicos para a atuação da Rede ATER NE. Neste momento, a articulação reconhece a comunicação como um destes eixos e foi trazida à tona a necessidade da articulação refletir a comunicação enquanto um dos elementos que compõem a estratégia político-metodológica da Rede ATER.

No encontro também foi lançado o novo projeto da Rede ATER NE, Cultivando Futuros, que tem o apoio do governo alemão e da organização Pão para o Mundo. Os/as participantes também refletiram a participação da Rede no projeto Baraúnas dos Sertões, fruto de uma parceria entre Rede ATER NE, Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), por meio do GT Mulheres, Universidade Federal Rural do Pernambuco (UFRPE) e o MDA.A rede também se debruçou nas prioridades, desafios e estratégias para o futuro e construiu um planejamento para 2024. “Sempre reconhecendo o importante papel da articulação na retomada e construção de políticas públicas, pautando a agroecologia e a convivência com o Semiárido como princípios fundamentais para o desenvolvimento rural, principalmente no momento em que vivemos uma situação de emergência climática, volta da fome e a pobreza no campo”, completa Clérison.

Fonte: redeaternordestedeagroecologia.wordpress.com